Assis - O resplandecer de São Francisco

 Assis - O resplandecer de São Francisco


Após pormenorizar a vida pregressa de São Francisco de Assis antes de assentar concretamente na história ocidental, irei esmiuçar a ascensão desta fulgurante figura que foi crucial para uma contestação e, por conseguinte, transformação no cerne religioso vigente já arcaico e deturpado pela ganância mundana.

Ele propôs uma purificação para que se despindo das prevaricadas interpretações do homem conseguisse, enfim ler novamente as palavras de Deus já desbotadas pelos vigorosos esclarecimentos que se sobrepõem a fonte original, mas Francisco acreditava que se deve recorrer mais à voz de Deus do que ao volúvel esclarecimento humano que se rende aos caprichos dos vícios mesmo custando as mais gloriosas virtudes.

Entretanto, seguindo a linearidade da narração, Francisco ainda não havia se emaranhado entre dilemas tão complexos, embora o inquieto âmago revirando-se fazia com que ecoasse um infindável sussurro que era baixo o bastante para ser perceptível, contudo não o suficiente para ser inteligível.

Conquanto decorridos alguns dias, enquanto entre amigos galhofa na balbúrdia, sente que uma sutil mudança opera em seu íntimo e mesmo que ainda desconheça propriamente o significado de cada murmúrio divino inconscientemente ele começa a decifrar sua mensagem e, desta maneira, o próprio destino com que deve arcar.

Outrora um vistoso jovem entusiasmado que já deveria estar avistando a união conjugal no horizonte, logo envereda para o extremo oposto em uma insólita bifurcação em que se enclausura em uma caverna onde há apenas um fiel amigo com quem compartilha os crescentes anseios que se amontoaram tanto em sua garganta que deve os externar para que não o sufoquem. Ele discorre de sobremaneira sobre a sabedoria que almeja e o intento de desposar a religião ao invés de uma donzela.

No entanto, tudo ainda se entrelaça com receio e certa vacilação, porque as suas raras demonstrações de devoção já haviam sido fervorosamente ridicularizadas, ademais Francisco é assolado por incessantes pesadelos que fazem com que nem mesmo nos domínios de Morfeu conquiste algum repouso.

Eventualmente, como um pequeno gracejo das Moiras, Francisco se revigora com convicção devido ao contato com um leproso que na Idade das Trevas era considerado um pecador cuja alma arruinada se manifestava por meio de chagas corporais, entretanto é esse servo do Diabo que encaminha o santo para Deus.

Francisco vagueava pelo bosque e distingue o tinir dos sinos que simbolizam a aproximação do leproso e, embora sentisse pura repugnância por tais enfermos, ele cobre o doente que tremelica em sua andrajosa veste com o próprio manto que traz consigo e se impressiona com o prazer que a sua gratidão suscita.

A partir desse acontecimento somente acresce o seu ambicioso empenho para acolitar a todos que necessitassem em especial os miseráveis, além disso, uma despretensiosa visita à Igreja de São Damião em que a voz de Cristo através do crucifixo lhe instrui para reconstruir a sua Igreja, logo lhe confere uma bússola moral para seguir, conquanto ele demore para compreendê-la perfeitamente.


Tendo isso em vista, assimilando o significado literal, ele se apressa para arrecadar os fundos monetários exigidos para que reconstruísse a construção decadente e para isso afobado ele vende os dispendiosos tecidos do pai por um preço demasiadamente baixo, em seguida, já doando tudo para o padre.

Quando o pai se conscientiza sobre o ocorrido consumido pelo ardor da fúria lhe persegue, ao passo que São Francisco temeroso se refugia em um celeiro, apesar que não tarda a se revelar diante do povo que antes o adorava, mas que presentemente lhe vocifera e fustiga com impropérios, pois o considera um completo louco, por isso o apedreja para uma mórbida diversão.

Ele é resgatado pelo pai que, por outro lado, assumindo a mesma interpretação errônea lhe aprisiona por insanidade, se bem que o amor materno trata de o libertar das correntes de seu lar e Francisco busca auxílio junto ao bispo.

Mesmo assim, o seu pai lhe atormenta enfurecido pelo súbito desaparecer de sua fortuna, portanto Francisco abdica de sua herança e se despe das elegantes indumentárias que traja para que assim adentre na vida de pobreza para a qual está destinado. O surpreendido bispo lhe concede a benção pedida e comovido pela enternecida figura de Francisco se transforma em seu leal protetor.

Ainda absorto pela ideia literal que deveria reconstruir a Igreja de Cristo, ele se esforça em sua nova ocupação como pedreiro e entre tantas igrejas o Francisco se dedica principalmente a Porciúncula que se crê ser a sua predileta.

 Até a atualidade, ela resiste ao tempo, embora agora ela esteja preservada dentro de uma suntuosa basílica erguida em seu entorno tal qual a concha preserva a pérola.

Por ora, findo cá quando o São Francisco desvendou somente parcialmente a sua vocação, entretanto semana que vem continuo compartilhando a sua comovente existência.

Paz e bem.

Link para conferir Ópera de Gelo, o meu novo romance histórico.

Comentários

  1. Comovente, exemplo paz e amor

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  2. Lindo sua descrição

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  3. Muito belo , parabéns

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  4. Mesmo que já conhecesse essa figura iluminada, fiquei maravilhada com todos esses detalhes!

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  5. Nada é por acaso. Teu nobre trabalho, tão esclarecedor sobre a figura e vida de Francisco de Assis coincidiu com o livro que selecionei para ler, hoje à tarde : Francisco O Sol de Assis. Lindo demais!

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