Paris para mim – O antigo trono onde repousa a moderna coroa francesa

Paris para mim – O antigo trono onde repousa a moderna coroa francesa


Paris é complexamente bela como a exuberância da ilustre tapeçaria, logo revela para quem almeja contemplá-la. Tudo tão harmônico e perfeito, malgrado não seja propriamente uma alfombra cujos filamentos são entrelaçados esmeradamente pelo tapeceiro que pondera sobre cada fio antes de sequer empunhar a agulha, contudo antes uma despretensiosa marchetaria que o destino desmembrou e o acaso tratou de reunir com o maior primor artístico, ou seja, o Champ de Mars ou Campo de Marte transcende meritoriamente um faustoso receptáculo para o contemporâneo colosso metálico que nomeamos de Torre Eiffel.

Nos primórdios a vasta esplanada era singelamente um recanto para vinhedos e pomares profusos, isto é, um mero refúgio bucólico em meio a complicação citadina. Já tardiamente o exército francês reverencia a divindade glorificada ao transformar toda a imensidão virente em um campo de treinamento militar, conquanto o deus romano da guerra apenas seja realmente cultuado, quando toda a amplidão verdejante é regada a sangue para que em uma expurgação macabra esteja apto para assumir o virtuoso patamar de palco francês onde toda a história da humanidade é encenada segundo o diretor La Fayette que comanda a peça com a famigerada austeridade armígera.

Ele que é galardoado com o epíteto de ‘’ Herói dos Dois Mundos ‘’ pelos sincrônicos auxílios na Revolução Americana e na Revolução Francesa, embora o seu personagem não seja perenemente um herói transitando, por vezes, também na cronologia mundial como um vilão. Não obstante, é incontestável a sua participação fulcral em tudo.

Consequentemente, é ele que organiza a Festa da Federação em comemoração à simbólica tomada da Bastilha orientado pelas reluzentes ideias que Rosseau, quase um filho francês de Mnemósine, expressa em sua obra "Considerações sobre o Governo da Polônia" em que defende o préstimo das comemorações cívicas.

Essa festividade é tão esdrúxula e significativa como todo o resto da guerra civil cujos desdobramentos são universais, porque almeja conciliar todos os republicanos e monarquistas, assim como as suas sutis nuances em um prol de um mesmo objetivo maior, portanto para tal se permite diversas contradições que o Campo de Marte trata de salvaguardar. Todas interpretadas dentro de um anfiteatro ornamentado com um Arco do Triunfo, tudo erigido aparentemente das folhas secas espalhadas pelo solo, entretanto mesmo assim o mais singular não são os incensos, as lanças com bandeiras dos departamentos ou até a Catedral de Nossa Senhora convertida em um local de adoração ao pequeno benjamim chamado constituição, contudo precisamente todas as divergentes figuras que conseguem abrigar pacificamente em um mesmo espaço. Afinal, nada mais irônico e milagroso do que convencer a família real a desfilar entre os seus declarados inimigos que, por sua vez, se regozijam e aplaudem a miúda personificação do seu maior dilema, ou seja, o Delfim nos acalentadores braços de sua mãe o que poderia ser um singelo acontecimento se qualquer outro rubro sangue vulgar corresse em suas veias azuis.



Em suma, seja a Festa da Federação uma hipocrisia coletiva ou uma excepcional concórdia enternecedora certamente ela está eternizada, assim como outro tétrico episódio francês que também transcorre no Campo de Marte com o aval de La Fayette nesta altura liderando a Guarda Nacional.

            Diferentemente, do outro célebre evento esse é um lúgubre incidente que enceta de maneira ordinária, pois apesar de no outrora ser escandaloso uma miríade de revolucionários se aglomerarem por uma petição que ambiciona o fim da monarquia já em plena Revolução Francesa era quase banal. Portanto, todos estavam radiantes, enquanto confabulavam entre si, riam e até trocavam broches tricolores, porque mais do que uma manifestação política, também era um sereno festejo que a presença mavórcia trata de perturbar mesmo estando em domínio de Marte. Por isso, logo o povo se agita tendo até alguns irascíveis membros atirando pedras nos cavalos belicosos, todavia não há combate justo entre uma turba desarmada e um exército marcial, portanto eis cá o grande pecado do Massacre do Campo de Marte do qual o prefeito de Paris e o La Fayette são os maiores culpados. Ele que antes de adentrar e atirar contra qualquer civil já se destacava com a sua composição alta e assaz desdenhosa ou, talvez o esbelto alazão contribuísse para essa impressão, pois ele já relanceava aquele brilho resoluto que todo militar ostenta antes de uma batalha impiedosa para preparar o seu íntimo para chacina que se seguirá, mas mais do que isso, ele já começa a avultar, em seu âmago, aquele desprezo pela vida humana que todo combatente precisa desenvolver para portar uma arma e apontá-la para um pobre cidadão totalmente incapacitado de responder com igualdade um atentado a sua vida.

            Concisamente, gostaria de acentuar como o Campo de Marte está por si só imortalizado no Ocidente, sendo assim ele não só merece a Torre Eiffel como imagino que ela seja uma recompensa para a viçosa esplanada que para o bem ou para o mal jamais hesitou ser proscênio da humanidade.

Link para conferir Ópera de Gelo, o meu novo romance histórico.

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