Palácio de Queluz – Onde a história portuguesa zarpa para o Novo Mundo

Palácio de Queluz – Onde a história portuguesa zarpa para o Novo Mundo


            Desde os primórdios o Palácio de Queluz é intrinsicamente entrelaçado com o Brasil colonial e a sua influência reverbera, até mesmo, na emancipação brasileira.

            Porque são infindáveis os vínculos que unem as pátrias separadas pelo mar, mas unidas pelo destino que edifica estáveis pontes que resistem ao temido oceano Atlântico, já nomeado também de Mar Tenebroso pelos monstros marinhos que se supunha que esgueiravam pelas voláteis ondas.

           O mar sempre foi motivo para idolatria e repúdio na mesma medida, ou melhor, suscita sonhos que ao avultar da mais ínfima tempestade poderá se transformar em um pesadelo, tudo é inconstante sobre o domínio de Poseidon algo que materializa glórias e tragédias que na terra firme tão enfadonha não seria sequer ponderado.

        Paisagens insólitas quase quiméricas que se sublevam entre a névoa e maresia para os olhos fatigados dos navegadores que já estão extenuados demais para se pasmar, por isso é corriqueiro que se ergam e dissipem colunas fulgurantes em um único piscar, enquanto o trovejar esbraveja ditando as próximas ofensivas de Zeus, ademais não são insólitas as ondas que vorazmente devoram as grandiosas naus como a mandíbula de uma fera que não se pode execrar, porque é ela que conduz as correntezas.

        Precisamente através deste pernicioso caminho que a família real portuguesa escoltada pelos temidos navios ingleses desemboca na exótica colônia, na faceta ainda tão fantástica para a mentalidade europeia, em seguida, de um peculiar embate entre Napoleão que ainda em vida se consagrou um mito equiparável aos maiores estrategistas da história contra o introspectivo D. João VI, ou seja, em síntese o jovem rei teria que enfrentar o mais genial militar que a Europa presenciou desde a longínqua antiguidade.

        Napoleão, com o pragmatismo inerente aos militares já tratava a questão como resolvida, por isso chega, até mesmo, a apontar governadores de sua preferência para Rio de Janeiro, Bahia e Maranhão.

        Entretanto o jovem rei se une secretamente a Inglaterra que promete acompanhá-lo até o Brasil que apesar de não ser um lugar apropriado para se reinar, por ser nessa altura uma colônia, é o único refúgio viável para manter a monarquia portuguesa e consequentemente a resistência viva e nem Napoleão consegue antever a sagacidade do revés que o jovem rei impele tanto que posteriormente assegura, em suas memórias, que ‘’ ele foi o único que me enganou ‘’.

        Queluz é o último lar da régia família antes da mesma desbravar pessoalmente a colônia e, portanto são indizíveis as anedotas de personalidades particularmente célebres através do prisma brasileiro que acontecem dentro do seu perímetro, além dessa já supramencionada.

        A sua mãe, a antiga rainha Maria I, que durante a sanidade é nomeada como "a piedosa" deve se conformar com o título de "a louca", depois do aflorar da insanidade que prossegue diversas desventuras como o falecimento prematuro de descendentes, além das intrigas palacianas que se agravam meramente pela sua liderança feminina que, embora tenha sido comandada com austeridade sempre era tida como frágil.

        Ela enlouquece dentro de Queluz, onde enxerga em cada espelho com que se depara, o próprio pai sendo incinerado nas labaredas do inferno o que lhe comovia em especial devido ao caráter extremamente religioso que lhe era congênito, ademais o fato da medicina da época tratar a melancolia como o sopro do diabo também a desconcerta, embora ela irá crer piamente que o anticristo, na realidade, seria Napoleão que veio assolar a Europa como uma peste.

       Carlota Joaquina que é a esposa do D. João VI também preserva uma tétrica relação com o Palácio de Queluz que se transforma em sua residência oficial forçadamente, ou melhor, uma espécie de prisão em que primeiramente é enviada, após conspirar contra o marido e depois por D. Miguel, o filho predileto.

        Mas sobretudo o Palácio de Queluz é indissociável à história brasileira, porque é precisamente nele que D. Pedro IV de Portugal ou I do Brasil nasce e morre no mesmo cômodo, no quarto chamado D. Quixote, configurando uma triste ironia do destino.

        No ano de 1831, retorna para a sua pátria a fim de defender o trono da filha ameaçado pelo golpe político de seu irmão, enquanto parte assegurando o trono brasileiro para o filho.

        Após cumprir com o seu maior desejo, ele perece fruto de uma enfermidade conquistada nos campos de batalha em que ativamente participou, apesar de que como Bonifácio com sabedoria realçou ‘’ Dom Pedro não morreu. Apenas homens ordinários morrem, heróis não ‘’.

               Herói, porque luta por ideais maiores do que a própria prosperidade sempre priorizando a luta pela liberdade e ainda como pai atencioso abdica de duas coroas para permitir que os filhos também escrevessem a própria história. Legados que se desenvolvem dos dois lados do Atlântico.

         Um incompreendido monarca considerado português demais para os brasileiros e brasileiro demais para os portugueses. 

Link para conferir Ópera de Gelo, o meu novo romance histórico.

Comentários

  1. Viva o nosso imperador....Emocionante texto

    ResponderExcluir
  2. Emocionante o texto para todos aqueles que amam nosso Imperador, sem julgamentos equivocados vendo nele o ser humano que desde cedo carregava o ¨peso¨da monarquia especial a referência ¨ Um incompreendido monarca considerado português demais para os brasileiros e brasileiro demais para os portugueses. ¨

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado! Estou feliz por conseguir transmitir a heroica e multifacetada figura do antigo imperador

      Excluir
  3. Impolgante a forma como descreve os acontecimentos. Parabéns

    ResponderExcluir
  4. Já que as escolas se detem tão pouco neste grande homem, acho necessário este texto!!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Alegre por conseguir fazer com que mais gente conheça este herói nacional

      Excluir
  5. Leitura fascinante, texto esclarecedor com suavidade.

    ResponderExcluir
  6. Emocionante quando a história do Brasil e Portugal se encontra. Lindo reconhecer essa ligação

    ResponderExcluir
  7. Lugar de um significado imenso para o Brasil.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Realmente Queluz se consagrou em ambas as histórias lusófonas

      Excluir
  8. Palacio de Queluz, lar do nosso D. Pedro.

    ResponderExcluir
  9. Lindo lugar, amei o texto.

    ResponderExcluir
  10. Lindo palácio português.

    ResponderExcluir
  11. Lugar que respira história.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Seguir

Compartilhe

Postagens recentes

Istambul - Onde Oriente e Ocidente se entrelaçam

Memórias de um Caçador - Turguêniev e eu

A troca da guarda - Uma celebração viva à memória da Grécia

Bazar de Especiarias – O coração aromático de Istambul

Place du Palais-Royal – A modernidade usada para revitalizar a antiguidade