A busca pelo futuro perfeito traz um presente indesejado - Conto
A busca pelo futuro perfeito traz um presente indesejado - Conto
Pensamos que o
futuro é uma ciência exata, ou seja, que podemos prever os acontecimentos
adiantes segundo o andante presente e assim discorremos sobre planos porvir que
nós condicionamos a meia dúzia de fatores mais uma pitada de sorte. Contudo, na
verdade, o elemento imprevisibilidade não deve ser somente considerado, mas até
mesmo temido ainda mais, quando se trata de alguém tão insensatamente leviana
quanto eu, se bem que fazendo jus à alcunha de impulsiva com que arco, eu não
tive a astúcia para me atentar a tal, além disso o grande problema com os dias
que devastam a sua vida é que eles iniciam precisamente como todos os outros
ordinários.
Desde
que o meu pai faleceu, eu vivo com a minha mãe e a minha irmã mais nova na casa
mais bela do povoado, no entanto como rivalizamos com pequenas casas de pedra,
eu não sei se isso vale verdadeiramente de algo. Ademais, mesmo em relação a
nós próprios decaímos de uma maneira trágica, porque, em seguida, que o papai
pereceu por tuberculose, nós tivemos que cortar gastos com o nosso antigo lar
que era dispendioso e abruptamente obsoleto, todavia a minha mãe em um primeiro
momento se opôs ferrenhamente a vender a propriedade, talvez porque fosse
perceptível o toque do papai em cada detalhe reluzente.
Portanto começou
a crescer musgos e lírios pelas fendas das paredes e a vegetação em geral ficou
tomada por ervas daninhas sem o cuidado do nosso habitual jardineiro, desta
maneira, tirando a beleza da nossa moradia e fazendo com que nos sentíssemos
estranhos no próprio lar e conforme o tempo passava e uma restauração e devida
conservação se tornavam impossíveis o estado da casa começou a ficar ainda mais
preocupante, pois as pinturas começaram a descascar, as janelas ficaram empoeiradas,
os móveis rasgaram e antes de cor bronze pela alta valorização que a cor ganhou
nas ricos residências da região agora era cinza não intencionalmente, porém sim
pelo estado imundo de tudo, então antes uma residência imponente, depois foi
vendida rapidamente por um valor que em um outrora glorioso não pagaria nem
mesmo o catálogo de livros presente em nossa extensa e famosa biblioteca, aliás,
ninguém sabe, entretanto eu na nossa última saída de lá peguei alguns
exemplares notórios das minhas obras favoritas, as únicas remanescentes do meu
passado que presentemente só resta um sentimento de intensa saudade. Todavia,
em virtude da maneira langorosa e dolorida com que tudo se desenrolou, eu não
sinto falta do que o meu lar é e sim do que ele já foi, enquanto a minha mãe
jamais se recuperou não só desta perda, no entanto de tudo que lhe precedeu. Ela
hoje é uma mera silhueta de quem já foi e para mim que já contemplei ela
brilhar como uma estrela é difícil vê-la tremeluzir como um resquício de vela.
Mas,
ultimamente, eu estava muito preocupada com o célebre vestibular para a capital
para sequer recordar da existência da minha soturna mãe, já que, este me
ofereceria a oportunidade de retomar o opulento estilo de vida que me foi
renegado pelo destino e como toda vez que eu relanceava o olhar para a Beatriz,
minha irmã mais nova, apenas lhe via perdida em espelhos e maquiagens, julguei
erroneamente que apenas eu e a minha mãe sentíamos a desgraça que nos apossou.
Embora, toda a minha espúria consciência não impediu que eu me revoltasse com a
minha mãe por ela me ofertar apenas um mero ‘’ vestido usado ‘’ para o que
seria a minha maior chance de me reerguer na vida, algo tão fútil como
atualmente enxergo, todavia não conseguia concordar com a minha mãe ao vê-la
bradar enraivecida comigo, enquanto os seus olhos castanhos assumiam um tom
escuro e as suas vincas se assomavam em seu rosto fatigado.
— Tu és
realmente tão tola? Pois qualquer um consegue enxergar a desgraça em que está
mergulhada a nossa família, portanto irei ser novamente bastante sincera no
intuito de conseguir que até uma pessoa parva como tu entendas: nós estamos
pobres, compreende? Já melhoramos um pouco, contudo temos mais dívidas do que
conseguimos pagar. Eu já perdi um extraordinário montante pecuniário por tua
causa, aliás, dinheiro que eu não tinha, então tudo que eu te peço agora é que
tu uses um lindo vestido que está em ótimo estado — ela gesticula vagarosamente
como se almejasse sentir o roçar da seda entre os seus dedos, antes de emendar.
— Ele foi meu, todavia nem por isso é uma relíquia, eu o preservei por décadas,
pois sabia que poderia vir a calhar. Tive que o escamotear para que ninguém
fosse tentado a vendê-lo, ademais se pudesse te pagar um deslumbrante vestido
novo assim faria, porém não posso e é ultrajante que tu nunca sejas capaz de
reconhecer o que eu faço por ti, portanto se queres ser a vítima em teu quarto,
enquanto se embriaga, ou seja, lá o que uma alma perdida como tu fazes, pode
ficar aí trancafiada, porque eu estou levando uma vida muito célere e
estressante devido à nossa situação atual consequentemente não tenho tempo e
nem vontade de ficar vislumbrando a tua ingratidão infantil. Tu já deverias ser
madura o suficiente para agir como uma mulher, Maria, e não como uma criança
insolente e se imaginas que o polimento do teu vestido te define, talvez eu
tenha errado mais contigo do que supus, porém agora é tarde demais para
arrumar. Adeus, Maria, e se empenhe para enfiar um pouco de maturescência nesse
caráter oco, te peço como um derradeiro pedido maternal.
Após
o discurso emocionante, ela parte decepcionada agindo como se eu fosse um erro.
Eu adoraria dizer que estou surpreendida com o tratamento recebido, contudo
seria uma ilusão, pois já estou mais do que acostumada a receber aquele
cintilar opaco que acompanha o olhar inquieto que nunca cessa sobre mim e foi
ele pousar novamente na minha incrédula pessoa para o meu futuro se desintegrar
e, então só o agora era relevante e ele não antevia nada de bom. Sendo assim,
com a mente nebulosa pela compunção, constato que o ar aqui dentro está
rarefeito demais para inspirar, por isso tento me desvencilhar daqui, no
entanto, enquanto ainda estou no corredor para a saída, encontro a pequena
figura da Beatriz que me arrosta com raiva e aponta para algo que está atrás de
mim e realmente fisgada e curiosa pelo andamento da sua postura, resolvo me
virar e vislumbro com certa perplexidade a cena da minha mãe se debulhando em
lágrimas na varanda. Entretanto, mal posso digerir o que vejo, porque ela se
pronuncia ponderada e enfática, porém não o bastante para ser exaltada.
— Observe com
esmero o que tu fizeste com ela que tanto te ama e, depois ainda ousa dizer que
eu sou alienada, pelo menos, eu sou feliz com as futilidades que a nossa vida
pode entregar, enquanto tu estás te respaldando nesta grande genialidade que
pode te dar uma vaga na universidade, no entanto não retira todas as dádivas
que a nossa mãe te ofertou e continua te ofertando, aliás, se o papai estivesse
aqui, ele teria vergonha do que te tornaste…
Eu
lhe cortei, enquanto concomitantemente gesticulo irada, como se estivesse
manejando uma lâmina.
— Não discurse
sobre os pensamentos do papai, porque não o conheceste o bastante para isso.
Antes
mesmo da Beatriz responder algo, ouço o barulho da cerâmica se quebrando e
percebo abismada que se trata das cinzas do meu pai, todavia nem consigo
balbuciar um perdão, porque ela replica firme ao me encarar com superioridade.
— Mas tenho
certeza de que ele não gostaria da sua alma espalhada pelo chão devido a tua inconsequente
birra já por outro lado penso que irás o agradar se realmente migrar para a
faculdade onde seremos poupadas da tua presença desagradável.
Eu
cruzo pelo seu olhar de desprezo uma última vez e saio convicta de que abdico da
minha família, no entanto ainda tenho um próspero futuro, algo que se revela
uma doce mentira, pois malogro no vestibular e não por causa da minha
vestimenta. Porém, mesmo assim eu não regresso para casa, já que, como a
Beatriz sabiamente salientou não há espaço para mim, mas consigo um modesto
trabalho na capital e divido apartamento com uma amiga de infância e mesmo que
eu não desgoste da minha atual vida é inevitável ponderar o quanto uma briga
irrelevante, logo descortinou um tétrico futuro para o qual eu sequer cogitava,
tudo devido a maneira que enfrentei os empecilhos que se ergueram frente ao meu
fantasioso futuro perfeito, aliás, por vezes, quando retorno do labor ao
anoitecer ainda consigo delinear este idílico futuro por meio das delgadas
sombras que me esgueiram.
Surpreende!!!
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Excluir👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽
ResponderExcluir❤️
ExcluirParabéns
ResponderExcluirObrigado!!!
ExcluirInteressante reflexão...
ResponderExcluir❤️
ExcluirPor mais bem construída que seja a protagonista, admito que não consigo simpatizar com ela
ResponderExcluir❤️
ExcluirImpactante
ResponderExcluirGrata!
ExcluirParabéns, adorei.
ResponderExcluirObrigado!!!
ExcluirLinda escrita. Parabéns.
ResponderExcluir❤️
Excluir👏👏👏👏
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ExcluirViva o presente plenamente.
ResponderExcluirSempre sábio conselho
ExcluirNão espere para viver.
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